sexta-feira, 27 de junho de 2014

Nigeriano é internado depois de se dizer ateu

Mubarak Bala
David Smith, no The Guardian [via Folha de S.Paulo]

Um nigeriano foi internado por sua família numa instituição de saúde mental, depois de dizer que deixou de acreditar em Deus.

Mubarak Bala, 29 anos, estaria sendo medicado à força por “insanidade”, há quase duas semanas, apesar do parecer de um médico para quem ele não apresenta problemas psicológicos.

Foi lançada uma campanha para pedir sua libertação, e o caso ressalta o fato de os ateus serem uma minoria perseguida em muitos países africanos.

Bala usa o apelido “ExMuslim” (ex-muçulmano) no Twitter, e seu perfil diz: “Engenheiro de processos químicos. Defendo a Verdade & Justiça. A religião insulta a consciência & razão humanas, mentindo que tenho outra vida. AteuAgnóstico.”

Ele vive em Kano, no norte da Nigéria, região de maioria muçulmana. O Estado adotou a sharia em 2000 e tem uma força policial rigidamente islâmica, a Hisbah.

De acordo com a União Internacional Humanista e Ética, que assumiu a defesa de Bala, quando este contou à sua família que tinha renunciado ao islã, a família o levou ao médico e perguntou se ele tinha uma doença mental. O médico o pronunciou saudável, mas a família procurou um segundo médico, para o qual o ateísmo seria efeito colateral de uma mudança de personalidade.

A família teria contado ao médico que Bala também afirmou ser um governador e contou outras “mentiras triviais”. Bala foi internado no Hospital-Escola Aminu Kano em 13 de junho, onde está sendo mantido contra sua vontade desde então.

Ele suplicou ajuda ao mundo externo em e-mails e tuítes enviados de vários telefones levados para dentro do hospital às escondidas. Em um e-mail, Bala disse: “A maior prova de minha doença mental foram grandes blasfêmias, a negação da ‘história’ de Adão e a apostasia, algo que o médico disse ser uma mudança de personalidade, dizendo que todo o mundo precisa de um Deus, que mesmo no Japão existe um Deus. E meu irmão acrescentou que todos os ateus que ele conhece tiveram doença mental em algum momento de suas vidas.”

Em tuíte enviado em 21 de junho, Bala escreveu: “Meu pescoço ainda dói por eu ter sido segurado à força por meu pai, e os golpes de meus tios deslocaram meu dedo e braço. Depois disso fui sedado por meu mano.”

Em outro tuíte, que se supõe fale do pai de Bala, este diz: “Sendo um líder, na dianteira do movimento islâmico na Nigéria, ele não pode ter um membro de sua família que não fosse muçulmano, por isso me declarou demente.”

Segundo o advogado Muhammad Bello Shehu, o pai de Bala conta uma história diferente. “Pelo que eu soube da família, Mubarak começou a expressar essas ideias seis ou sete meses atrás. O pai sabia que ele tinha deixado de orar e de ir à mesquita há um ano.”

“Mas quando ele começou a tuitar sobre isso e ir a público, isso poderia ter colocado sua vida e sua família em risco. Assim, de acordo com o pai, a principal razão por que ele levou Mubarak ao hospital foi para garantir sua própria segurança. Devido ao modo como as pessoas encaram a religião aqui, ele poderia ter sido linchado por fazer essas declarações.”

O advogado acrescentou que é preciso clareza em relação ao estado mental de Bala. “Os médicos são da opinião de que ele tem um problema psicológico, sim. Ele diz que não. A questão agora é chamarmos um analista psiquiátrico independente para avaliá-lo.”

Sabe-se que o telefone mais recente de Bala foi confiscado, mas que ele foi transferido de um quarto particular para uma enfermaria pública.

Sua detenção foi condenada pelo Movimento Humanista Nigeriano. Bamidele Adeneye, membro do movimento e secretário dos Humanistas de Lagos, disse: “Conheci Mubarak online há algum tempo e ele me pareceu muito lúcido, inteligente e espirituoso, além de corajoso e ousado. O que me surpreendeu é que ele é um ateu muçulmano, algo raríssimo na Nigéria.”

Adeneye recordou que Mubarak lhe disse de repente que seu irmão estava tentando interná-lo numa instituição psiquiátrica porque ele não acreditava em Deus. “Então ele falou que sua família o tinha mandado fazer tratamento por insanidade. Vi online que seu pai escreveu que a televisão incentiva o ateísmo, então cuidado.”

Adeneye disse ainda que Bala estava prestes a ir estudar na universidade South Bank, em Londres.

“Se você falar com Mubarak, perceberá que não há nada de errado com ele. Basicamente, ele disse à família que não acredita na história de Adão e Eva ou em Alá. A Constituição afirma claramente que a pessoa tem o direito de ser religiosa ou não religiosa. Isso é uma violação dos direitos humanos.”

“Em Kano há uma polícia islâmica. Temo pela vida de Mubarak. Alguém pode ir ao hospital atacá-lo. Estamos tentando tirá-lo de lá. Tenho medo, porque se isso pode acontecer com ele, pode acontecer comigo.”

Numa cidade de estimados 21 milhões de habitantes, os Humanistas de Lagos não contam com mais de dez membros ativos. Adeneye disse: “Os ateus são uma minoria malvista. Eu cresci numa família cristã e frequentava a igreja. Eu perguntava a meu pai: ‘Por que estamos indo?’. Ele me incentivava a continuar fazendo perguntas.”

“Muitos nigerianos acham os ateus horríveis. Já recebi muitas ameaças de morte e mensagens como ‘você não merece estar vivo’. Mas o ateísmo está crescendo em países como Quênia, Uganda e Gana. Graças a programas como ‘Cosmos’, as crianças estão entendendo a evolução e questionando seus pais, perguntando: ‘É possível realmente que todos tenhamos descendido de duas pessoas?’”

A União Internacional Humanista e Étnica expressou preocupação com a “deterioração da condição” de Bala, depois de receber relatos de que ele está enfraquecido, com as mãos trêmulas. Um porta-voz da organização, Bob Churchill, disse: “Parece que o que levou Mubarak a ser pressionado desta maneira terrível a aderir a pontos de vista religiosos que ele simplesmente não segue foi uma noção perversa de honra familiar. Trata-se de uma violação hedionda de sua liberdade de pensamento e crença.”

“Nós nos unimos a humanistas e defensores dos direitos humanos na Nigéria e aos ativistas que vêm chamando a atenção a este caso para pedir uma revisão imediata do caso de Mubarak por um médico que seja inteiramente independente da família e para exigir sua libertação imediata.”

O cristianismo e o islã ainda dominam a África, e o ateísmo é virtualmente tabu em grande parte do continente. Mas, como os ativistas dos direitos dos gays, os ateus estão finalmente encontrando sua voz, e Churchill crê que a maré esteja virando.

“Acho que muito frequentemente na África subsaariana as pressões sociais dificultam a discussão do ateísmo. Mas estamos assistindo a uma mudança lenta na situação, e não é possível enfiar a pasta de dentes de volta no tubo. As ideias estão ali fora, e uma parte da população está disposta a dizer que acredita nelas. Está começando a surgir uma reação muito séria.”

Tradução: Clara Allain

Fonte: Pavablog

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